sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A Última Carta...

Naquela noite de céu azul-marinho, o tempo se desdobrava intenso, se tornando mais parecido com o infinito. Eu tinha um lapso de memória, uma lembrança de algo que ainda não aconteceu. Quase uma saudade do futuro. Foi um encontro. Eu achava que era quase destino.
E se, você escreve que destino é a consequência de um ato, digo que tanto destino, quanto ato, podem designar viagens. O local de destino se descobre colocando em ato o desejo.

Se você escreve em outra carta, recuando de seu desejo e de sua responsabilidade com nosso encontro, dizendo que destino é uma entidade misteriosa que determina as vicissitudes da vida, digo que a verdade toda nos é vedada, mas tocamos algo dela, quando colocamos em movimento esse silêncio que nos petrifica.

Tomo as rédeas da minha vida, mas não sem lembrar de você, principalmente nas horas de descanso, onde não consigo tirá-lo da cabeça. Acho que é porque não está na cabeça. Está em meu corpo, por meu sangue, abraçado com minha alma, debaixo de meu vestido.

Mas, o tempo é igualmente proporcional à vontade e interferência da gente. Quando esquecemos dele, as coisas se perdem esmaecidas e vacilantes dentro do coração da memória. Tenho me lembrado de você com uma distância maior do que antes. A forma leviana e um tanto covarde como conduziu aquilo que era tão puro e sincero, faz com que as coisas se evaporem cada dia mais. Mesmo assim, escrevo nossa história, um tanto angustiada, por perceber, que só para mim ela foi única e radical. Ainda assim, escrevo.

Escrevo, porque quando encontrei você, o tempo se tornou troca. Um vai e vem intimista e minuncioso de olhares certeiros, como na música de Adoniran Barbosa e Oswaldo Moles. Qualquer dúvida que eu carregasse ficou para trás, depois que eu senti seus olhos cheios de poesia e fúria adormecida.

Andei silenciosa pelo mundo uma semana. Calada pela pureza do encontro. Sem tônica de expressão. Atônita. Entorpecida pela maravilha do desconhecido que nunca tive antes vontade de descobrir. Descoberta, tentei passar despercebida pelo desejo mas não teve jeito. Tentei ser dura como rocha mas me deu defeito. Fiz o possível para parecer desleixo. Derrapei no rompante. Refiz os versos da canção que esperva ser composta. Expandi a melodia singular tirando-a num solfejo.

Agora, percebo quieta o som do desejo.
Desarmada e vulnerável, escrevo no vazio dos dias a surpresa de perceber que não era comigo, que não era para mim.
Sem reticências.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010



"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança,
Todo mundo é composto de mudança.
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança.
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem, se algum houve, a saudade."

(Camões)